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Os expulsos por dissolução dos séquitos feudais e pela expropriação violenta e por sacões da terra, este proletariado fora-da-lei não podia, possivelmente, ser absorvido pela manufactura nascente tão rapidamente quanto era posto no mundo. Por outro lado, estes [homens] subitamente catapultados para fora da sua órbita de vida habitual não se podiam adaptar tão subitamente à disciplina da nova situação. Transformaram-se massivamente em mendigos, ladrões, vagabundos, em parte por inclinação, na maioria dos casos por constrangimento das circunstâncias. Daqui, no fim do século XV e durante todo o século XVI, em toda a Europa ocidental, uma legislação sangrenta contra a vagabundagem. Os pais da classe operária actual foram, antes do mais, castigados pela transformação, a que foram sujeitos, em vagabundos e pobres. A legislação tratava-os como criminosos «voluntários» e pressupunha que dependia da boa vontade deles que continuassem a trabalhar nas velhas condições que já não existiam mais.
Em Inglaterra, essa legislação começou com Henrique VII.
Henrique VIII, em 1530: os mendigos velhos e incapazes de trabalhar recebem uma licença de mendigo. Em contrapartida, chicoteamento e encarceramento para os vagabundos robustos. Devem ser atados à parte de trás de uma carroça e fustigados até que o sangue corra do seu corpo, fazem depois um juramento de regressarem ao seu lugar de nascimento ou aonde moraram nos últimos três anos e de «se porem ao trabalho» (to put himself to labour). Que ironia cruel! No 27.° [ano do reinado] de Henrique VIII o estatuto precedente é repetido, mas reforçado com novos aditamentos. Ao ser apanhado pela segunda [vez] em vagabundagem, o chicoteamen-to deve ser repetido e metade da orelha cortada, à terceira vez, porém, o visado é executado como grande criminoso e inimigo da comunidade.
Eduardo VI: um estatuto do primeiro ano do seu reinado, 1547, ordena que, se alguém se recusar a trabalhar, deve ser sentenciado como escravo da pessoa que o denunciou como desocupado. O dono deve alimentar o seu escravo com pão e água, bebida fraca e os restos de carne que achar convenientes. Tem o direito de o obrigar a qualquer trabalho ainda que repugnante por meio de chicoteamento e de agrilhoamento. Se o escravo se ausentar por 14 dias, é condenado à escravatura por toda a vida e deve ser marcado a fogo com a letra S(59*) na fronte ou nas faces; se ele fugir pela terceira vez, é executado como traidor público. O dono pode vendê-lo, legá-lo, alugá-lo, como escravo, inteiramente como outro bem móvel ou gado. Se os escravos empreenderem algo contra os donos, devem igualmente ser executados. Por informação os juizes de paz devem perseguir o malandro. Se se verificar que um vadio não fez nada durante três dias, deve ser levado para o seu lugar de nascimento, marcado a fogo com um ferro ao rubro, no peito, com o sinal V(60*), e aí, com cadeias, deve ser utilizado nas ruas ou em qualquer outro serviço. Se o vagabundo der um lugar de nascimento falso, como castigo, deve ficar escravo por toda a vida desse lugar, dos moradores ou da corporação e ser marcado a fogo com um S. Todas as pessoas têm o direito de tirar os filhos aos vagabundos e de os manter como aprendizes — os rapazes até aos 24 anos, as raparigas até aos 20 anos. Se fugirem, deverão ficar escravos do dono até essa idade, o qual, consoante quiser, os poderá prender com cadeias, chicotear, etc. Cada dono pode pôr um anel de ferro à volta do pescoço, do braço ou da perna do seu escravo, para o conhecer melhor e estar seguro de que é seu(61*). A última parte deste estatuto prevê que certos pobres devem ser empregados pelo lugar ou pelos indivíduos que lhes queiram dar de comer e de beber e encontrar trabalho para eles. Esta espécie de escravos paroquiais conservou-se, em Inglaterra, até bem dentro do século XIX, sob o nome de roundsmen (rondadores).
Isabel, em 1572: mendigos sem licença e acima dos 14 anos de idade devem ser fortemente chicoteados e marcados a fogo na orelha esquerda, no caso de ninguém os querer tomar ao seu serviço por dois anos; em caso de repetição, se estão acima dos 18 anos de idade, devem ser executados, no caso de ninguém os querer tomar ao seu serviço por dois anos; à terceira reincidência, porém, são executados sem piedade como traidores públicos. Estatutos semelhantes: no 18.° [ano do reinado] de Isabel, c. 13, e em 1597(62*). Jaime I: uma pessoa vadia e mendiga é declarada malandro e vagabundo. Os juizes de paz nas Petty Sessions[N77] têm o poder de os mandar chicotear em público e de os encarcerar, na primeira vez que forem apanhados, por 6 meses, na segunda, por 2 anos. Durante a prisão devem ser chicoteados tanto e tão frequentemente quanto os juizes de paz acharem por bem... Os vagabundos incorrigíveis e perigosos devem ser marcados a fogo com um R(63*) no ombro esquerdo e postos a trabalhos forçados e, se forem de novo apanhados a mendigar, devem ser executados sem piedade. Estas ordenações, legalmente vinculativas até aos primeiros tempos do século XVIII, só foram revogadas por Ana no 12.° [ano do seu reinado], c. 23.
Leis semelhantes em França, onde, por meados do século XVII, foi estabelecido em Paris um reino dos vagabundos (royaume des truands). Ainda nos primeiros tempos de Luís XVI (Ordenança de 13 de Julho de 1777), todo o homem sãmente constituído dos 16 aos 60 anos, se não tivesse meios de existência e exercício de uma profissão, era mandado para as galeras. Semelhante é o estatuto de Carlos V para os Países Baixos de Outubro de 1537, o primeiro édito dos Estados e Cidades da Holanda de 19 de Março de 1614, a proclamação das Províncias Unidas de 25 de Junho de 1649, etc.
Assim, o povo do campo, expropriado à força da terra, expulso e feito vagabundo, foi chicoteado, marcado a fogo e torturado por leis grotesco-terroristas, [com vista] à disciplina necessária ao sistema do trabalho assalariado.
Não é suficiente que as condições de trabalho se coloquem, num pólo, como capital, e, no outro pólo, como homens que não têm nada que vender a não ser a sua força de trabalho. Também não é suficiente forçá-los a venderem-se de livre vontade. No decurso da produção capitalista, desenvolve-se uma classe operária que, por educação, tradição, hábito, admite as exigências daquele modo de produção como evidentes leis da Natureza. A organização do processo de produção capitalista constituído quebra qualquer resistência; a constante criação de uma sobrepopulação relativa mantém a lei da oferta e da procura de trabalho e, portanto, o trabalho assalariado numa via que corresponde às necessidades de utilização do capital; a compulsão surda das relações económicas confirma a dominação dos capitalistas sobre os operários. Violência imediata, extra-económica, com efeito, é sempre ainda aplicada, mas apenas excepcionalmente. Para o curso habitual das coisas, os operários podem permanecer abandonados às «leis naturais da produção», isto é, à sua dependência do capital, decorrente das próprias condições da produção, por eles garantida e eternizada. Durante a génese histórica da produção capitalista foi de outra maneira. A burguesia ascendente precisa e emprega o poder do Estado para «regular» o trabalho assalariado, isto é, para o comprimir dentro dos limites que convêm à obtenção de mais-valia [Plusmacherei], para prolongar o dia de trabalho e para conservar o próprio operário num grau normal de dependência. Este é um momento essencial da chamada acumulação original.
A classe dos operários assalariados, que surgiu na última metade do século XIV, formava, então, e no século seguinte, apenas uma parte constitutiva muito pequena do povo que estava fortemente protegida na sua posição pela exploração camponesa autónoma, no campo, e pela organização da corporação, na cidade. No campo e na cidade, mestre e operário estavam socialmente próximos. A subordinação do trabalho ao capital era apenas formal, isto é, o próprio modo de produção não possuía ainda nenhum carácter especificamente capitalista. O elemento variável do capital prevalecia muito sobre o seu [elemento] constante. A procura de trabalho assalariado cresceu, portanto, rapidamente com cada acumulação de capital, enquanto a oferta de trabalho assalariado só lentamente a seguiu. Uma grande parte do produto nacional, mais tarde transformado em fundo de acumulação do capital, entrava então ainda no fundo de consumo do operário.
A legislação sobre o trabalho assalariado — desde o princípio marcada pela exploração do operário e sempre igualmente inimiga dele no seu decurso(64*) — foi iniciada, em Inglaterra, com o Statute of Labourers [Estatuto dos Trabalhadores] de Eduardo III, em 1349. Correspondeu-lhe, em França, a Ordenança de 1350, promulgada em nome do rei João. A legislação inglesa e francesa correm paralelamente e são, segundo o conteúdo, idênticas. Uma vez que os estatutos dos operários procuram compelir ao alongamento do dia de trabalho, não volto a eles, pois este ponto foi anteriormente debatido (capítulo 8, 5).
O Statute of Labourers foi promulgado a urgentes instâncias da Câmara dos Comuns.
«Primeiramente», diz um Tory(65*) ingenuamente, «os pobres pediram salários tão altos a ponto de ameaçarem indústria e riqueza. Depois, os seus salários são tão baixos a ponto de igualmente ameaçarem indústria e riqueza — e talvez mais —, mas num outro sentido.»(66*)
Foi legalmente fixada uma tarifa de salários para a cidade e o campo, para trabalho à peça e à jorna. Os operários rurais devem alugar-se ao ano, os citadinos no «mercado aberto». Foi proibido, sob pena de prisão, pagar salários mais altos do que os estatutários, mas o recebimento de salário mais alto era mais fortemente castigado do que o seu pagamento. Assim, nas secções 18 e 19 do Estatuto de Aprendiz de Isabel, inflige-se uma pena de prisão de dez dias àquele que pagar um salário mais alto e, em contrapartida, uma pena de prisão de vinte e um dias àquele que o receber. Um Estatuto de 1360 agudiza as penas e dá mesmo aos mestres poder para, por compulsão corporal, extorquir trabalho à tarifa de salário legal. Todas as combinações, contratos, juramentos, etc, pelos quais pedreiros e carpinteiros se ligaram reciprocamente foram declarados nulos e de nenhum efeito. A coalizão de operários foi tratada como crime grave, do século XIV até 1825, ano da abolição das leis anti-coalizão[N80]. O espírito do Estatuto dos Operários de 1349 e dos que se lhe sucederam manifesta-se claramente em que, com efeito, foi ditado pelo Estado um máximo para o salário, mas de modo nenhum um mínimo.
No século XVI, como se sabe, a situação dos operários piorou muito. O salário em dinheiro aumentou, mas não em proporção com a depreciação do dinheiro e o correspondente aumento do preço das mercadorias. Portanto, de facto, o salário baixou. Todavia, as leis com vista à sua redução mantiveram-se, juntamente com o corte de orelhas e o marcar a fogo daqueles «que ninguém quisesse tomar ao serviço». Através do Estatuto do Aprendiz, do 5.° [ano do reinado] de Isabel, c. 3, os juizes de paz foram autorizados a fixar certos salários e a modificarem-nos segundo as épocas do ano e os preços das mercadorias. Jaime I estendeu esta regulamentação do trabalho também a tecelãos, fiadores e todas as categorias possíveis de operários(67*); Jorge II [estendeu] as leis contra a coalizão de operários a todas as manufacturas.
No período da manufactura propriamente dito, o modo de produção capitalista tinha-se fortalecido suficientemente para tornar a regulamentação legal do salário tão inexequível como supérflua, mas, em caso de necessidade, não se queria ficar privado das armas do velho arsenal. Jorge II, no 8.° [ano do seu reinado], ainda proibiu um salário diário superior a 2 xelins e 7 1/2 dinheiros para os oficiais alfaiates, em Londres e arredores, excepto nos casos de luto geral; Jorge III, no 13.° [ano do seu reinado], c. 68, ainda remeteu a regulamentação do salário dos tecelãos de seda para os juizes de paz; em 1796, ainda eram precisas duas sentenças dos tribunais superiores para decidir se as ordens dos juizes de paz sobre o salário também eram válidas para operários não agrícolas; em 1799, uma lei do Parlamento ainda sancionava que o salário dos operários das minas da Escócia devia ser regulamentado por um Estatuto de Isabel e por duas leis escocesas de 1661 e 1671. Entretanto, o muito que as relações se revolucionaram, prova-o uma ocorrência inaudita na Câmara Baixa. Aí, onde há mais de 400 anos se tinham fabricado leis sobre o máximo que o salário não podia absolutamente ultrapassar, Whitbread, em 1796, propôs um salário mínimo legal para as jornas na agricultura. Pitt opôs-se, mas acrescentou que a «condição dos pobres era cruel». Finalmente, em 1813, as leis sobre a regulamentação dos salários foram abolidas. Eram uma anomalia ridícula, uma vez que o capitalista regia a fábrica por uma legislação privada sua e, pelo imposto dos pobres, podia completar o salário do operário do campo até ao mínimo indispensável. As determinações dos Estatutos dos Operários(68*), acerca de contratos entre mestre e operário assalariado, acerca de notificações de prazos e coisas parecidas, que só permitiam uma acção civil contra o mestre que quebrasse o contrato, mas [permitiam] uma acção criminal contra o operário que quebrasse o contrato, estão, até à hora actual, em pleno vigor.
As leis cruéis contra as coalizões caíram, em 1825, ante a atitude ameaçadora do proletariado. Apesar disso, só caíram em parte. Alguns lindos restos dos velhos Estatutos só desapareceram em 1859. Finalmente, um decreto do Parlamento de 29 de Junho de 1871 reclamou a eliminação dos últimos vestígios desta legislação de classe pelo reconhecimento legal das Trades' Unions(69*). Mas um decreto do Parlamento da mesma data (An act to amend the criminal law relating to violence, threats and molestation(70*)) restabelecia, de facto, o estado anterior sob uma nova forma. Através deste escamoteamento parlamentar, os meios de que os operários se podiam servir por ocasião de uma greve ou lock-out (greve dos fabricantes coalizados, mediante o encerramento simultâneo das suas fábricas) foram retirados do direito comum e postos sob uma legislação penal de excepção, cuja interpretação cabia aos próprios fabricantes, na sua qualidade de juizes de paz. Dois anos antes, a mesma Câmara Baixa e o mesmo senhor Gladstone, da maneira honesta conhecida, haviam apresentado um projecto de lei para a abolição de todas as leis penais de excepção contra a classe operária. Mas nunca se deixou que isso fosse mais longe do que a segunda leitura e arrastou-se, assim, a coisa para as calendas, até que, finalmente, o «grande partido liberal», mediante uma aliança com os Tories[N81], ganhou a coragem de se decidir a voltar-se contra o mesmo proletariado que o havia levado ao poder. Não contente com esta traição, o «grande partido liberal» autorizou os juizes ingleses, em todos os tempos bajuladoramente ao serviço das classes dominantes, a desenterrarem de novo as leis prescritas sobre «conspirações»[N82] e a aplicá-las a coalizões de operários. Vê-se que, só contra vontade e sob a pressão das massas, é que o Parlamento inglês renunciou às leis contra as greves e as Trades' Unions, depois de ele próprio, durante cinco séculos, com desavergonhado egoísmo, ter apoiado a posição de uma Trades' Union permanente dos capitalistas contra os operários.
Logo no começo da tempestade revolucionária, a burguesia francesa ousou retirar de novo aos operários o direito de associação acabado, precisamente, de conquistar. Pelo decreto de 14 de Junho de 1791, declarava toda a coalizão de operários como um «atentado à liberdade e à declaração dos direitos do homem», punível com 500 libras, juntamente com a privação por um ano dos direitos activos dos cidadãos(71*). Esta lei, que de um modo policial estatal comprimiu a luta de concorrência entre capital e trabalho no interior de limites confortáveis para o capital, sobreviveu a revoluções e mudanças de dinastia. O próprio governo do Terror[N83] deixou-a intocada. Só muito recentemente foi riscada do Code Penal(72*). Nada é mais característico do que o pretexto deste golpe de Estado burguês. «Ainda que», diz Le Chapelier, o relator, «o salário do dia de trabalho devesse ser um pouco mais considerável do que é presentemente... pois, numa nação livre, os salários devem ser suficientemente consideráveis para que aquele que os recebe esteja fora daquela dependência absoluta que a privação das carências de primeira necessidade produz, e que é quase a da escravatura», todavia, os operários não podem entender-se sobre os seus interesses, agir em conjunto e, por esse facto, afrouxar a sua «dependência absoluta, que é quase escravatura», porque, precisamente por isso, ofendem «a liberdade dos actuais empresários, dos ci-devant maítres»(73*) (a liberdade de manter os operários na escravatura!) e porque uma coalizão contra o despotismo dos antigos mestres das corporações — adivinhe-se! — é um restabelecimento das corporações, abolidas pela Constituição francesa(74*).
(59*) S de slave, escravo em inglês. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(60*) V de vagabond, vagabundo em inglês. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(61*) O autor do Essay on Trade, etc. [Ensaio sobre o Comércio, etc], 1770, observa: «No reinado de Eduardo VI, os ingleses parecem ter começado, de facto, seriamente, a encorajar as manufacturas e a empregar os pobres. Ficamos a saber isso por um estatuto notável, que diz assim: "Que todos os vagabundos serão marcados a fogo, etc."» (L. c., p. 5.) (Nota de Marx.) (retornar ao texto)
(62*) Thomas Morus diz na sua Utopia [tradução inglesa de Ralph Robinson, London, 1869, pp. 41, 42]: «Pelo facto de que um glutão cobiçoso e insaciável — e verdadeira praga para a sua terra natal — pode circundar e vedar juntamente muitos milhares de acres de terra dentro de uma paliçada ou cerca, os lavradores podem ser empurrados para fora do que é deles ou, quer por vigarice e fraude quer por opressão violenta, podem ser postos fora dele ou podem ser tão atormentados por males e injúrias que sejam compelidos a vender tudo: por conseguinte, por um meio ou por outro, assim ou assado, forçosamente, têm de ir-se embora — pobres, inocentes, miseráveis almas, homens, mulheres, maridos, esposas, crianças sem pais, viúvas, mães aflitas com os seus bebés, e todos os seus haveres domésticos pequenos em substância, e muitos em número, uma vez que a lavoura requer muitos braços. Arrastam-se para longe, digo eu, para fora das casas conhecidas a que estavam acostumados, não encontrando qualquer lugar para descansar. Todos os seus haveres domésticos, que valem muito pouco, ainda poderiam suportar a venda: no entanto, sendo postos de repente fora, são constrangidos a vendê-los por uma coisa de nada. E quando eles vaguearam por fora até que isso tenha sido gasto, que mais podem eles fazer então senão roubar e serem, então, por deus!, justamente enforcados, ou então andar por aí a mendigar? E, então, contudo, eles são também postos na prisão como vagabundos, porque vagueiam e não trabalham: eles, a quem ninguém quer dar trabalho, apesar de nunca de tão boa vontade se disporem a isso.» Destes pobres fugitivos de quem Thomas Morus diz que eram compelidos ao roubo «72 000 grandes e pequenos ladrões foram executados» no reinado de Henrique VIII. (Holinshed, Description of England [Descrição da Inglaterra], vol. I, p. 186.) No tempo de Isabel, «os malandros eram enforcados apressadamente e, geralmente, não havia um ano em que trezentos ou quatrocentos não fossem devorados e comidos pelo patíbulo». (Strype, Annals of the Reformation and Establishment of Religion, and other Various Occurrences in lhe Church of England during Queen Elisabeth's Happy Reign [Anais da Reforma e Estabelecimento da Religião, e Outras Várias Ocorrências na Igreja de Inglaterra durante o Feliz Reinado da Rainha Isabel], 2nd ed., 1725, vol. II.) Segundo o mesmo Strype, no Somersetshire, num único ano, foram executadas 40 pessoas, 35 foram marcadas a fogo, 37 chicoteadas e 183 postas em liberdade como incor-rigíveis vagabundos». Todavia, diz ele, «este grande número de prisioneiros não compreende sequer um quinto dos efectivos criminosos, graças à negligência dos juizes e à tola compaixão do povo». E ele acrescenta: «Os outros Condados da Inglaterra, a este respeito, não eram melhores do que o Somersetshire, enquanto alguns eram mesmo piores.» (Nota de Marx.) (retornar ao texto)
(63*) R de rogue, vagabundo, malandro, vadio, em inglês. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(64*) «Sempre que a legislatura tenta regular os diferendos entre os donos e os seus operários, os seus conselheiros são sempre os donos», diz A. Smith[N78]. «O espírito das leis é a propriedade», diz Linguet[N79]. (Nota de Marx.) (retornar ao texto)
(65*) Em inglês no texto: conservador. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(66*) [J. B. Byles], Sophisms of Free Trade. By a Barrister [Sofismas do Comércio Livre. Por Um Advogado], Lond., 1850, p. 206. Ele acrescenta maliciosamente: «Estivemos suficientemente preparados para intervir a favor do patrão, não pode agora fazer-se nada pelo empregado?» (Nota de Marx.) (retornar ao texto)
(67*) * A partir de uma cláusula do Estatuto do 2.° [ano do reinado] de Jaime I, c. 6, vê-se que certos fabricantes de panos se permitiram, quais juizes de paz, ditar a tarifa de salários oficial nas suas próprias oficinas. — Na Alemanha, nomeadamente depois da Guerra dos Trinta Anos, eram frequentes Estatutos para manter os salários baixos. «A falta de criados e operários, no campo despovoado, era muito incómoda para os senhores da terra. Todos os aldeãos estavam proibidos de alugar quartos a homens e mulheres sós; todos estes deviam ser indicados às autoridades e postos na prisão, no caso de se não quererem tornar criados, mesmo que eles se mantivessem com uma outra actividade, semeassem à jorna para os camponeses ou mesmo comerciassem com dinheiro e em cereais.» (Kaiserliche Privilegien und Sanctiones fiir Schlesien [Privilégios e Sanções Imperiais para a Silésia], I, 125.) «Durante todo um século, nas ordenações dos soberanos figura sempre de novo uma queixa amarga acerca da canalha má e petulante, que não se acomoda às condições duras, que não se quer satisfazer com o salário legal; é proibido ao senhor da terra dar mais do que [aquilo] que a região fixou numa taxa. E, todavia, as condições do serviço, depois da guerra, são, por vezes, ainda melhores do que seriam 100 anos mais tarde; o criado, em 1652, na Silésia, ainda tinha carne duas vezes por semana; já no nosso século, nesse mesmo lugar, há distritos em que ele só a tem três vezes por ano. A jorna, depois da guerra, também era mais elevada do que nos séculos seguintes.» (G. Freytag [Neue Bilder aus dem Leben des deutschen Volkes (Novos Quadros da Vida do Povo Alemão), Leipzig, 1862, S. 35, 36].) (Nota de Marx.) (retornar ao texto)
(68*) Nas 3.ª e 4.ª edições: Estatuto do Trabalho. (retornar ao texto)
(69*) Formulação que antecedeu a generalização da expressão Trade Union (Sindicato). Versões da época noutras línguas: em francês Sociétés ouvrières (Sociedades Operárias), em alemão Gewerksgenossenschaften(Associações de Ofícios). (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(70*) Em inglês no texto: Um decreto para emendar a lei criminal relativa à violência, ameaças e molestação. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(71*) O artigo I desta lei diz: «Sendo o aniquilamento de toda a espécie de corporações de cidadãos do mesmo estado e profissão uma das bases fundamentais da constituição francesa, é proibido restabelecê-las de facto, sob qualquer pretexto e sob qualquer forma que seja.» O artigo IV declara que, se «cidadãos ligados às mesmas profissões, artes e ofícios, tomassem deliberações, fizessem entre si convenções tendentes a recusar concertadamente ou a só conceder por um preço determinado o socorro da sua indústria ou dos seus trabalhos, as ditas deliberações e convenções... serão declaradas inconstitucionais, atentatórias da liberdade e da declaração dos direitos do homem, etc.» — crime público, portanto, totalmente como nos antigos Estatutos dos Operários. (Révolutions de Paris [Revoluções de Paris], Paris, 1791, t. III, p. 523.) (Nota de Marx.) (retornar ao texto)
(72*) Em francês no texto: Código Penal. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(73*) Em francês no texto: antigos mestres. (Nota da edição portuguesa.) (retornar ao texto)
(74*) Buchez et Roux, Histoire parlementaire [História Parlamentar], t. X, pp. 193-195 passim. (Nota de Marx.) (retornar ao texto)
Notas de fim de tomo:
[N77] Petty sessions (sessões pequenas): reuniões de juizes de paz, em Inglaterra, nas quais são examinados pequenos casos para simplificar o processo judicial. (retornar ao texto)
[N78] A. Smith, An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations, Edinburgh, 1814, vol. I, p. 237 (Uma Investigação sobre a Natureza e Causas da Riqueza das Nações, Edimburgo, 1814, vol. I, p. 237). (retornar ao texto)
[N79] [N. Linguet], Théorie des lois civiles ou Príncipes fondamentaux de la société(Teoria das Leis Civis ou Princípios Fundamentais da Sociedade), Londres, . t. I, p. 236.(retornar ao texto)
[N80] As leis contra as coalizões, proibindo a criação e actividade de qualquer organização operária, foram adoptadas pelo Parlamento britânico em 1799 e 1800. Em 1824, o Parlamento revogou estas leis, tendo confirmado a sua revogação em 1825. No entanto, mesmo depois disto, a actividade das organizações operárias continuou consideravelmente restringida. Mesmo a simples propaganda a favor a adesão dos operários a um sindicato e a favor da participação em greves era considerada como «coacção» e «violência» e punida como um delito de direito comum. (retornar ao texto)
[N81] Tories: partido político inglês surgido em fins dos anos 70-início dos anos 80 do século XVII; exprimia os interesses da aristocracia agrária e do alto clero. Em meados do século XIX, com base no partido dos tories, foi fundado o Partido Conservador, a que por vezes também se chama tory. (retornar ao texto)
[N82] As leis contra as «conspirações» existiram na Grã-Bretanha desde a Idade Média. Em virtude destas leis, eram reprimidas a organização e a luta de classe dos operários, tanto antes da adopção das leis contra as coalizões (ver nota 80) como depois da sua revogação. (retornar ao texto)
[N83] Trata-se do governo da ditadura jacobina em França de Junho de 1793 a Junho de 1794 (retornar ao texto)